Pandemia
Falta de EPIs gera tensão entre trabalhadores
Em locais como o HE da UFPel, referência no combate à Covid-19, profissionais já falam em não assumir plantões sem condições mínimas
Divulgação -
O abalo emocional cresce entre os trabalhadores da Saúde. A preocupação com a escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) traz ainda mais tensão ao cenário. No Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel) - referência no atendimento ao novo coronavírus -, o tema tem sido pauta de reuniões, motivou testes de esterilização em máscaras e já há profissionais que asseguram: não irão assumir os plantões se não tiverem condições mínimas de proteção.
“É uma pressão psicológica horrível. “Um inferno”, resume uma das integrantes da equipe. E o sentimento não se restringe à ala montada para o combate à Covid-19, em área alugada pelo HE dentro da Santa Casa de Misericórdia. A insegurança chega a diferentes setores; resumem os trabalhadores com quem o Diário Popular conversou, mas preserva as identidades.o
Antes de se tomar conhecimento de que um médico residente do HE estava infectado pelo novo coronavírus, na última sexta-feira (10), grande parte dos profissionais - que não atuam na área da Covid nem em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) - cumpria os plantões sem nenhum tipo de máscara; nem as cirúrgicas, descartáveis.
Agora, com a implementação da escala mínima, devido ao baixo percentual de ocupação do hospital e para reduzir o número de funcionários expostos, foi decidido ampliar a dispensação do EPI em todas as unidades e setores, no cálculo de uma máscara por pessoa, por turno. É o que está expresso no Boletim Diário 17, de 11 de abril.
“O pessoal vai entrando em desespero com tudo isso”, desabafa uma das técnicas em Enfermagem. E vai além: “Já avisamos que não somos heróis. Aqui no hospital somos totalmente substituíveis. Em casa, para nossa família e para nossos filhos, não somos”, reforça. E vê colegas apelarem, inclusive, às máscaras caseiras para barrar, ao menos, a transmissão de gotículas no ambiente.
Ministério Público do Trabalho aperta o rigor
O apelo é para a comunidade denunciar. Desde o mês de março, o Ministério Público do Trabalho (MPT) em Pelotas, que cobre 34 municípios, recebeu 35 denúncias; seis relativas à falta de EPIs aos profissionais da Saúde em Pelotas, Rio Grande, Bagé e Dom Pedrito. Trabalhadores de setores, como construção civil, supermercados e padarias também despontam entre os mais afetados pela ausência de cuidados anti-Covid.
A procuradora do Trabalho, Rubia Canabarro, lembra que eventuais restrições de mercado não justificam o não-fornecimento do material de proteção aos trabalhadores. Os empregadores precisam ir em busca de soluções alternativas, para tentar driblar preços exorbitantes e prazos de entrega estendidos. Diante da impossibilidade, uma regra básica deve prevalecer: “Se não há condições de segurança aos trabalhadores, o serviço tem que parar”, enfatiza. Embora admita que o momento é único e, absolutamente, excepcional.
Por isso, muitas situações terão de ser analisadas individualmente, ainda que existam as recomendações definidas pelas Coordenadorias Especializadas do MPT em todo o país. Ações judiciais e, em casos extremos, a interdição de estabelecimentos e de serviços não está descartada. Tudo para garantir a integridade do trabalhador. Até o dia 10 de abril, só no Rio Grande do Sul, o Ministério Público do Trabalho havia repassado mais de R$ 4,6 milhões - oriundos de multas e de indenizações por dano moral coletivo - para o enfrentamento da Covid-19.
O que diz a direção do Hospital-Escola:
Uma nova remessa de EPIs deve chegar à instituição nos próximos dias. Não foram informados detalhes sobre quantos e quais equipamentos nem sobre a rota para entrega do material, já que existem informações extraoficiais de que a carga estaria retida em São Paulo. A chefe da Divisão Médica, Cristiane Neutzling, assegura que o HE busca regularizar os estoques e adianta: “Não iremos expor profissionais a trabalhar sem a proteção preconizada pelos órgãos reguladores”. A distribuição de EPIs estaria ocorrendo dentro da especificação e das indicações de uso. Sem inadequações - sustenta. “É importante lembrar que a Anvisa não recomenda uso de máscara para todos os profissionais durante todo o tempo”. Questionada sobre o processo de esterilização - ultravioleta - das máscaras N-95 (mais resistentes), Cristiane afirmou que os resultados se mostraram efetivos em análises preliminares, mas o método só deverá ser utilizado em caso de necessidade. Quanto à aplicação de testes para Covid-19 e afastamentos da equipe, em função do médico residente, ela explicou que o rapaz aguarda exame confirmatório e dois profissionais sintomáticos, com quem teve contato, também serão testados.
A palavra da Secretaria de Saúde
Uma compra realizada pela Secretaria de Saúde de Pelotas, no valor de R$ 359,4 mil, irá garantir o repasse de material para cinco hospitais que prestam serviços pelo SUS: HE-UFPel, Hospital Universitário São Francisco de Paula -UCPel, Santa Casa, Beneficência e Hospital Espírita; além de Secretarias Municipais, como as de Assistência Social, Segurança e Transporte e Trânsito. Só entre máscaras cirúrgicas e N-95, 48,5 mil unidades foram encomendadas; um investimento de R$ 321,1 mil. “Estamos trabalhando exaustivamente neste assunto. É preciso ter recurso disponível para pagamento antecipado e, em alguns momentos, uma máscara N-95, que custa em torno de R$ 5,00, foi oferecida por mais de R$ 40,00”, explica a secretária Roberta Paganini. E lembra que as três esferas de governo, além das próprias instituições hospitalares, desencadeiam esforço conjunto por solução.
Um comitê pelos trabalhadores
Um Comitê em Defesa da Saúde do Trabalhador foi criado em Pelotas para troca de informações, recebimento de denúncias e fiscalização. Representantes de diferentes sindicatos têm participado das discussões. Entre os servidores da prefeitura de Pelotas, preocupação com a exposição, principalmente, de guardas municipais, de agentes de trânsito e de agentes comunitários de Saúde que, não raro, ficam sem EPIs. “É assustador. Começa a haver um adoecimento mental do trabalhador”, preocupa-se a integrante da direção do Sindicato dos Municipários de Pelotas (Simp), Cláudia Correia.
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